Autor do Texto Manuel Maria Barbosa du Bocage
Título do Poema ou Texto Retrato Próprio
Título da Publicação Poesias eroticas, burlescas e satiricas
Letra Magro, de olhos azuis, carao moreno, Bem servido de pes, meao na altura, Triste de face, o mesmo de figura, Nariz alto no meio, e nao pequeno: Incapaz de assistir num so terreno, Mais propenso ao furor do que a ternura;
Bebendo em niveas maos por tac,a escura De zelos infernais letal veneno: Devoto incensador de mil deidades, (Digo, de moc,as mil) num so momento, Inimigo de hipocritas, e de frades: Eis Bocage, em quem luz algum talento: Sairam dele mesmo estas verdades Num dia, em que se achou cagando ao vento.
Autor do Texto Manuel Maria Barbosa du Bocage
Título do Poema ou Texto Segundo Retrato
Título da Publicação Poesias eroticas, burlescas e satiricas
Letra Sabes, leitor, quem sofre tanto ultraje.
Cercado de um tropel de franchinotes? E o autor do soneto; — e o Bocage!
Autor do Texto Manuel Maria Barbosa du Bocage
Título do Poema ou Texto Eis Bocage, ao vento
Título da Publicação Poesias eroticas, burlescas e satiricas
Letra La quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que nao fazem falta,
Verbi gratia - o teologo, o peralta,
Algum duque, ou marques, ou conde, ou frade:
Nao quero funeral comunidade,
Que engrole sub-venites em voz alta;
Pingados gatarroes, gente de malta,
Eu tambem vos dispenso a caridade:
Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitafio mao piedosa:
"Aqui dorme Bocage, o putanheiro:
Passou vida folgada e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu, sem ter dinheiro".
Autor do Texto Manuel Maria Barbosa du Bocage
Título do Poema ou Texto De um nume aos ais de Elmano oh dom mimoso!
Título da Publicação Poesias eroticas, burlescas e satiricas
Letra Sentindo o corac,ao por ti regado, Contigo, o nectar, a existencia encanto, E brando para mim se ri meu fado: Amada! Jove, e tu, so podem tanto! Meu mal dorme, repousa embriagado Das mil delicias, que me da teu pranto.
Autor do Texto Manuel Maria Barbosa du Bocage
Título do Poema ou Texto Dormia a sono solto a minha amada
Título da Publicação Poesias eroticas, burlescas e satiricas
Letra Ora do rosto seu vejo a nevada Pudibunda bochecha, que encantava;
Outr'ora nas maminhas demorava Sofrega, ardente vista embasbacada: Porem vendo sair d'entre o vestido Um lascivo pesinho torneado, Bispo-lhe as pernas e fiquei perdido: Vai senao quando, o meu caralho amado Bem como Eneias acordava Dido, Salta-lhe ao pelo, por seguir seu fado.
Quando o coro de Câmara de Setúbal convidou diversos compositores a escreverem peças sobre sonetos de Bocage, de imediato pensei que o concerto faria certamente jus à mais fina poesia de Bocage, mas também não poderia faltar o seu universo mais popular onde faz uso do calão. Assim não pude evitar que a minha escolha recaísse precisamente num conjunto de sonetos retirados das poesias Eróticas Burlescas e Satíricas.
Esta peça divide-se em dois números, realizados sem interrupção.
No primeiro, o fio condutor é o texto falado, onde são recitados quatro sonetos que pouco a pouco se sobrepõem. Só um dos sonetos, Retrato Próprio, é escutado na totalidade; os outros ao sobreporem-se ao primeiro vão progressivamente criando uma textura mais confusa. Joga-se precisamente na ideia de maior perceptibilidade do texto, que progressivamente se torna cada vez menos perceptível; aí o que se escuta é uma mistura de vários sonetos que nos fazem lembrar o universo de Bocage mais popular, através da audição sobreposta de alguns dos seus versos mais conhecidos.
São usados dois sonetos relacionados com o próprio Bocage, Retrato Próprio (“Magro, olhos azuis, carão moreno…”), e Segundo Retrato (“De cerúleo Gabão, não bem coberto…”) e outros dois onde este fala de duas mulheres e do jogo amoroso com elas (“Dormia a sono solto a minha amada…”, “De um nume aos ais de Elmano oh don mimoso!...”).
A parte cantada deste primeiro número apresenta o universo sonoro de toda a peça, usando por vezes, de forma dividida pelas vozes, as vogais das principais palavras que são escutadas.
No segundo número, agora totalmente cantado, é tratado com alguma solenidade um soneto (Lá quando em mim perder a humanidade…) que é, de certa forma, um epitáfio, correspondendo a uma fase mais angustiada da vida de Bocage, onde aborda o tema da morte.
Este segundo número, e quase por inversão com o primeiro, caminha de uma maior imperceptibilidade do texto para a sua total perceptibilidade no final.
A estrutura musical circular, que se apresenta como um impulso para a apresentação de cada estrofe, começa por ser mais contrapontística, com entradas desfasadas do texto, acabando de forma homofónica onde todas as vozes cantam o texto em simultâneo.
Carlos Marecos