Categoria Musical Música de câmara (+ de 8 instrumentos)
Instrumentação Sintética Ensemble Instrumental
Estreia
Data 2000/Nov/28
Intérpretes
Remix Ensemble
Stefan Asbury (direcção)
Local Fundação de Serralves - Auditório
Localidade Porto
País Portugal
Notas Sobre a Obra
Esta obra resulta de uma encomenda da Fundação Serralves que me foi feita por intermédio de meu amigo António Pinho Vargas, ilustre compositor e pessoa de extrema erudição a quem a obra é dedicada.
A peça, por outro lado, canta também a memória da minha querida professora de composição, Constança Capdeville, conforme se pode depreender do subtítulo: serenata onírica a Constança Capdeville.
A explicação do título “La rue du chat qui pêche” prende-se com uma situação por mim vivida em Paris no mês de Fevereiro de 1996, por coincidência aniversário do falecimento de Constança. Deambulando eu pela cidade a pé e fazendo o itinerário entre a torre Eiffel e a catedral de Notre Dame pela margem esquerda do Sena, deparo com uma pequena rua secundária, estreita, muito discreta, mas com um título qui m’a frappé tout de suite. Pensei imediatamente na minha professora. O nome daquele sítio, “La rue du chat qui pêche”, de origem por certo medieval, época de prodígios tais como reis taumaturgos e gatos que pescam, tem uma ressonância leve, arguta, lampeira, pícara, ágil, lendária, virtuosa, e mais toda uma panóplia de símbolos poéticos errantes que eu sinto plasmarem-se, não me perguntem porquê excepto as pessoas que não conheceram a Constança, numa mundividência muito próxima à nossa grande compositora. Perante a epígrafe daquela rua, naquele dia frio e húmido (como qualquer dia “medieval” que se preze), eu vi claramente visto o título da obra que um dia haveria de dedicar à sua memória. Mas não em forma de requiem. Sim, em forma de serenata onírica, porque onírica era a sua presença, oníricas eram as suas aulas onde se sentiam as fragrâncias do sândalo. O seu porte era etéreo e caminhava silenciosamente como quem voa baixinho.
A forma da peça é a de uma composição policroma bizantina, uma espécie de políptico com rondó. A presença desse rondó que se apresenta no piano logo no princípio e que vai regressando ao longo da peça com uma função de acalmia formal, fundamentalmente, é alternada com uma série de episódios contrastantes, desde os mais tranquilos aos mais exaltados. De entre estes episódios devem destacar-se três que contêm três breves citações : de uma melodia gregoriana de Natal (o inefável Puer natus est nobis), do famoso Doctor Gradus ad Parnassum (o primeiro número do maravilhoso “Children’s corner” dedicado por Claude Debussy a sua filha Chouchou), e do quinto andamento da minha obra “Deploração sobre a morte de Jorge Peixinho” (Paisagem onírica com anjos), usado no fim da peça quando a música se vai evanescendo. Este procedimento de “citação/colagem” era, aliás, muito caro a Constança Capdeville, por ela usado com incomparável sabedoria e sensibilidade na obra “Libera me”, obra magistral e pináculo da composição novecentista portuguesa.
Eurico Carrapatoso, Novembro de 2000