Compositora e doutoranda na Guildhall School of Music and Drama em Londres, focada no tema «Música visível: abordagens composicionais» - Fátima Fonte está Em Foco no MIC.PT em março.
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Quando o maestro Osvaldo Ferreira me propôs incluir um dos meus dois contos narrados para crianças numa série de cinco a serem tocados em 2011 pela Orquestra do Algarve, colocou-se o problema da instrumentação, dado que ambos foram concebidos para 18 solistas, e embora possam ser tocados por uma orquestra sinfónica (aumentando as cordas), as exigências em número de sopros e percussões encarecem imenso o orçamento de uma orquestra pequena como a do Algarve, dado que esta terá de recorrer a extras, para além da necessidade de alugar instrumentos menos usuais, como o contrafagote. Por estas razões resolvi escrever uma obra nova que se enquadrasse no orgânico da Orquestra do Algarve. Faltava escolher um texto, e a ideia da Lídia Jorge deveu-se ao maestro Osvaldo que sugeriu estrear o conto musical na sua terra natal, Loulé, no âmbito de uma série de homenagens que lhe estavam a ser preparadas. Das duas obras para crianças publicadas pela Lídia Jorge, escolhi a segunda, publicada já em 2010, que me cativou de imediato, até porque o protagonista é um gato, e eu tenho uma afeição especial pelos pequenos felinos de bigodes.
O Romance do Grande Gatão é uma história de amor, de amor por um animal que faz transcender as diferenças raciais entre duas famílias que descobrem, por baixo da cor da pele e dos costumes de cada país, a nossa igualdade humana. Como o conto original era demasiado grande para ser usado tal qual, a Lídia Jorge, que tive o privilégio de ficar a conhecer durante a composição da obra (e que mostrou sempre uma generosidade fantástica), autorizou-me a fazer eu próprio a adaptação do conto às necessidades de tamanho e linguagem de um conto musical, dado que neste as crianças têm de perceber tudo imediatamente, sem esforço, uma vez que não há a possibilidade de repetir, ou de perguntar a torto e a direito aos pais que é que se passa, sob pena de, quer as crianças quer os pais, perderem o fio à meada.
Sendo a personagem principal um gato escolhi, tal como Prokofiev, o clarinete para evocar o Grande Gatão, embora não exista nenhum tema associado ao timbre. A família africana é evocada pela marimba, enquanto a terrível luta entre os dois gatos é ilustrada, como não podia deixar de ser, por dois clarinetes que “combatem” entre si no meio da orquestra (e se levantam e tocam de pé nesse momento). A valsa e a tarantela estão também associadas ao Grande Gatão, enquanto algumas melodias de sabor latino-americano evocam a alegria, a liberdade e a fraternidade.