No sentido de divulgar o material extenso contido, por um lado, nos Em Focos do MIC.PT desde 2011, e por outro, na série das edições digitais Dossiers . Compositores Portugueses dos Séculos XX e XXI lançada no início de 2015, a equipa do Centro de Investigação & Informação da Música Portuguesa – MIC.PT concebeu e editou uma série de novas edições bilíngues impressas, concretizada nos Cadernos da Criação Musical Portuguesa dos séculos XX e XXI.
Paralelamente à edição contínua de partituras e outros materiais digitais do MIC.PT, através desta nova série de edições pretendemos, sobretudo, construir um retrato actual da composição e arte musical da actualidade em Portugal, logo promovendo de uma maneira ainda mais efectiva e directa a actividade dos numerosos compositores portugueses dos séculos XX e XXI, com partituras editadas pelo MIC.PT. Neste sentido, a série – Cadernos da Criação Musical Portuguesa dos séculos XX e XXI – constitui uma “visita” ao trabalho de cada um dos criadores, sendo simultaneamente um incentivo para investigar e (re)descobrir a sua música, assim como a sua reflexão estética, filosófica e política.
Não há dúvidas, que esta (re)descoberta produz frutos mensuráveis, entre os quais a introdução da música de compositores portugueses nos programas de eventos internacionais dedicados à criação musical contemporânea. É precisamente neste sentido que os Cadernos da Criação Musical Portuguesa dos séculos XX e XXI constituem uma nova ferramenta do MIC.PT e dos próprios compositores (uma espécie de cartão de visita de cada um deles), que serve para efectivamente aumentar a visibilidade internacional da criação musical portuguesa da actualidade.
Cada um dos Cadernos é constituído por uma nota biográfica, questionário/entrevista ou artigo musicológico, catálogo de obras com duas ordenações (por instrumentação e por ordem cronológica) e discografia.
Presentemente já estão disponíveis em versão impressa em papel os seguintes Cadernos da Criação Musical Portuguesa dos séculos XX e XXI:
#1 . Paulo Ferreira-Lopes;
#2 . Sara Carvalho;
#3 . António Ferreira;
#4 . António Chagas Rosa;
#5 . Bruno Gabirro;
#7. Patrícia Sucena de Almeida;
#8 . Miguel Azguime;
#12 . João Madureira;
#15 . Isabel Soveral;
#16 . Tiago Cutileiro.
Os próximos lançamentos de novos Cadernos impressos em papel incluirão os compositores: Pedro Rebelo (#10), António de Sousa Dias (#13), João Castro Pinto (#18) e [ka’mi] (#20).
O elemento central de cada um dos Cadernos é o questionário/entrevista do MIC.PT – uma “introspecção” no universo criativo dos compositores em que cada um deles revela não apenas as suas raízes musicais e as suas inspirações, mas também as características da sua linguagem, as suas projecções para o futuro e as suas inquietações relativamente à situação actual da música de invenção e pesquisa em Portugal…
. “A composição foi a minha primeira namorada. Como é óbvio, os meus pais ficaram muito preocupados comigo quando quis continuar os meus estudos superiores em composição. Eles preferiam que eu tivesse escolhido direito, por exemplo” – diz João Madureira (Caderno #12), respondendo à pergunta sobre os caminhos que o levaram à composição.
. “Esta questão liberta-me um grande sorriso…” – responde Paulo Ferreira-Lopes no questionário do Caderno #1, à pergunta sobre as referências do passado na sua prática. “É difícil reconstituir o todo com o detalhe de tudo. A história de uma vida não se reconstrói por processos aditivos, onde no final nos deparamos com uma soma, ou onde recursivamente vamos adicionando algumas parcelas para diminuir mais adiante o esforço da adição da totalidade!”
. “A vontade de compor está sempre presente: a escuta é o meu instrumento e está sempre a ser praticada” – diz António Ferreira no Caderno #3. “Agora a concretização dependerá de factores concretos da minha situação. Posso dedicar-me vários meses ao trabalho de composição sem interrupções de maior duração? Ou tenho que arranjar financiamento para libertar o meu tempo?” – questiona o compositor, dando resposta à pergunta do questionário sobre maneiras de conciliar no seu percurso a dicotomia: “ocupação – vocação”.
. Reflectindo sobre a questão da influência das fontes extra-musicais na sua criação, a compositora e fotógrafa Patrícia Sucena de Almeida (Caderno #7) diz-nos assim: “Penso que não nos devemos alienar das outras áreas artísticas, mesmo que a vertente em termos composicionais seja puramente instrumental. Todas elas seguem um caminho com convergências históricas, estéticas, estilísticas, etc., e daí o interesse na sua análise. No meu caso, não as considero unicamente como fontes, influências, mas podem coexistir numa criação, interagindo entre si”.
. E a música é capaz de exprimir alguma coisa concreta que não seja ela própria – uma emoção, atitude mental, disposição psicológica ou fenómeno da natureza? “Para mim, a música é incapaz de não exprimir algo” – diz Sara Carvalho no Caderno #2. “Se aquilo que exprime para cada um de nós é o que o compositor idealizou, não me parece relevante. A música tem o poder de induzir o que Walton chamou de imagenings, isto é, a música induz representações imaginativas”.
. No Caderno #15 a compositora Isabel Soveral revela-nos alguns segredos da sua técnica composicional, nomeadamente, como decorre o processo da criação de um discurso musical: “No início do processo criativo, «procuro» um material embrionário – os primeiros elementos musicais. Da elaboração e desenvolvimento destes elementos, surge um «tecido» sonoro com determinadas características, que, por sua vez, levará à formatação de uma ideia musical já mais concreta. Todo este processe criativo deverá revelar-se sem contradições formais, de modo a permitir que o discurso musical aconteça naturalmente”.
. Por seu lado, no Caderno #4, falando sobre o conceito de “vanguarda” na actualidade, António Chagas Rosa chega à seguinte conclusão: “Actualmente, e contrariamente ao que pensava há uns quinze anos atrás, o conceito de «vanguarda» não me diz nada. Talvez um vanguardista seja aquele que é capaz de descobrir um tempo novo dentro de um tempo velho, embora esta expressão não tenha grande valor. Não obstante, é um gesto efémero tal como uma onda que se desfaz na praia”.
. A descoberta do “novo” é particularmente importante para Tiago Cutileiro (Caderno #16) que, respondendo à pergunta sobre a importância do experimentalismo na sua música, diz-nos assim: “Atrevo-me a dizer que temos muito mais arte, e boa arte, do que aquela que precisamos. Para quê encher o mundo com mais arte se não for para descobrir novos caminhos? Deste modo, enquanto criador, por causa de toda esta proliferação criativa, não encontro outra área de trabalho útil que não seja precisamente o experimentalismo – a procura de novos caminhos. Só neste campo vejo esperança de encontrar algo novo que valha a pena ser mostrado a um mundo já tão cheio de arte e de tantas outras coisas. Fora do experimentalismo, sinto a humanidade subterrada em tantas obras de arte perfeitas de todos os géneros e com muito pouco mais para acrescentar”.
. Não menos importantes são as questões relativas à situação actual da música portuguesa e ao papel do compositor na sociedade, entre as quais se destaca a opinião de Bruno Gabirro no Caderno #5: “Há problemas antigos que nunca foram resolvidos, e que continuam a existir, que impediram sempre uma real implantação de uma vida musical saudável no nosso país. No entanto, penso que independentemente da sua situação, o papel do compositor é e foi sempre o mesmo. Dentro das condições, problemas e exigências de cada época, o trabalho do compositor é o de questionar, pensar, imaginar e fazer música, e dessa forma agir como uma força de mudança no mundo que o rodeia, percorrendo outros caminhos, outras possibilidades”.
. E qual é o futuro da música da arte? ”Considero da maior importância, e mesmo vital, que a Arte em geral, e a Arte Musical em particular, em sociedade, e fora dos interesses económicos e de mercado continue a resistir e possa continuar a ser desenvolvida no sentido de assegurar a perenidade desses mesmos valores. A Arte tal como a ciência e a investigação científica é conhecimento, e constitui um verdadeiro modelo intelectual, psíquico e de pensamento civilizacional. E para que a Arte possa continuar a existir tem de permanecer livre” – enfatiza Miguel Azguime no Caderno #8.
© MIC.PT . Setembro de 2018
